sábado, agosto 27, 2005

Os pretensos vencedores contam a sua história! (II)

O documentário de BBC segue ao pormenor a teoria pró-americana, que expus no final do post anterior. Desde logo os propensos excertos das entrevistas com os sobreviventes, relativamente aos antecedentes a 6 de Agosto limitam-se a sustentar a posição pró-americana. Depois quer-se crer que Hiroshima era uma cidade ocupada na sua maioria pelo exército nipónico, quando depois se verificou que o número de baixas civis excedeu em vasta maioria o de soldados.

O documentário derriba num frequente paradoxo que é o da decisão final de deflagração da bomba. A visão americanizada de que os Estados Unidos endividaram o máximos de esforços para não lançarem a bomba atómica, através de sucessivos propostas e ultimatos a uma última rendição do Japão, e que só o fizeram para evitar a (falaciosa) morticínia invasão terrestre ; é contradita no próprio documentário ao referir que cidades como Hiroshima, Nagasaki, Kokura ou Niigata tinham sido poupadas ao longo da guerra para se poderem estudar com a maior precisão possível os resultados da utilização da bomba atómica. Na minha concepção, os EUA sabendo que a mais que a debilitada força nipónica muito em breve sucumbiria completamente e como tal aceitariam a capitulação incondicional (salvaguardando contudo o sistema imperial) e que a União Soviética já invadira a segunda maior ilha do arquipélago japonês, Hokkaido ; verificaram, mais que nunca, a necessidade de (a qualquer custo) utilizar a bomba. Decisão que aliás já tinha sido tomada em Setembro de 1944 (sem se precisar hipotéticos lugares, mas com maior plausibilidade na Alemanha), se bem que só por si a primaz coerência do projecto Manhattan assentava no emprego de um engenho explosivo desta magnitude num cenário real.

Ainda o pioneiro teste de Los Alamos não tinha sido realizado e o Little Boy já estava a ser embarcado para seguir para o arquipélago das Marianas. A bomba foi usada como exibição da força e poderio americano ao mundo e sobretudo aos soviéticos e cada vez mais se afigura pouco plausível que o seu primordial objectivo fosse ser dirigida contra a exaurida força japonesa no intuito da sua rendição.

Intencionalmente é dado grande destaque no documentário à operação técnica de preparação, transporte e detonação de bomba, apresentando-se a equipa comandada pelo coronel Paul Tibbets, um aviador que continua a exibir um profundo orgulho de ter comandado esta histórica e capital operação, e sentindo que entre outros, os japoneses deviam-lhe estar imensamente reconhecidos (por os ter salvado) e nem um pouco ressentidos. O sr. Tibbets dirige-se a um povo cujo cerne primacial assenta no respeito e estima mútua e como tal escusa-se lá no alto sua tribuna de retribuir de igual forma. Se por acaso a cidade em causa fosse chinesa ou coreana certamente coibiria-se de tais asserções tão sumárias. Já o major Charles Sweeney, comandante do The Great Artist, no caso de Nagasaki, adoptou ao longo da sua vida uma posição mais reservada, não exteriorizando muito as suas convicções neste aspecto, porventura em respeito com as vítimas.

As atitudes e os juízos do Povo americano e de uma grande maioria dos seus soldados relativamente a esta problemática são eventualmente justificadas à luz do clima de uma guerra muito dura e duradoura, de muitos actos intoleráveis praticados pelos japoneses e da (artificiosa) propaganda massiva que a administração norte-americana realizou ao longo da guerra.

No entanto, a utilização pelo governo norte-americano de seres humanos como cobaias em experiências atómicas será sempre irremissível, e porventura nunca terão desígnio e coragem de reconhecer o que se afigura cada vez mais óbvio aos olhos de tudo e todos. E a que a BBC também fechou os olhos!

O DVD para além do documentário (89 minutos), possui ainda três pequenos extras: “Hiroshima”, onde o director Paul Wilmshurst expõe e explica sucintamente o método e lógica da estruturação do filme, bem como as ideias-chave intrínsecas ; “Conto de Duas Cidades” é um documentário produzido em 1946 pela Forças Armadas dos EUA sobre a explosão da bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki e as suas consequências ao longo dos meses seguintes ;“Relato das Tripulações” como alude é a descrição por membros do Enola Gay e do The Great Artist sobre as suas missões.


Comments:
Esta questão é realmente muito complexa. De facto, os americanos temiam ser ultrapassados pelos russos; mas também é verdade que os japoneses procuravam exteriorizar uma força que efectivamente não tinham (estavam perto de sucumbir, mas os americanos não sabiam).
É um facto que os americanos não se deram ao trabalho de prevenir os japoneses (na comissão que discutiu a utilização da bomba, houve uma proposta que foi liminarmente recusada, que era a de avisar os japoneses da potência da bomba e comprová-la lançando-a para uma ilha nipónica); mas também é um facto que mesmo depois de Hiroshima os japoneses não capitularam.
Parece-me contudo que havia grande vontade de utilizar a bomba atómica, como manifestação de força, como experiência, e pelo ódio aos japoneses. O pragmatismo dos números das baixas veio depois.
 
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