quinta-feira, dezembro 16, 2004

Quinto Império – Ontem como Hoje

Nunca fui um grande admirador da obra de Manoel de Oliveira. Aquela ideia de cinema teatral não me agrada muito. Os planos únicos, a câmara parada, as figuras estáticas, as falas declamadas, as palavras excessivas, sempre me pareceram pouco adequadas para a sétima arte. Mas a verdade é que Manoel de Oliveira tem um trabalho de inegável qualidade, e é muito bom no estilo de filmes que faz, há obras até que considero mesmo excepcionais, como «O Meu Caso» e «A Divina Comédia» (de realçar que não conheço a filmografia dele por completo).
Ontem fui à antestreia do «Quinto Império – Ontem como Hoje» e confesso que na primeira hora estava a achar incrível: uma iconografia sombria – com ambientes de penumbra e corpos semi-ocultos -, planos muito bem escolhidos, um texto riquíssimo (baseado no El-rei Sebastião de José Régio), e personagens muito densas, trabalhadas por um elenco de luxo. O problema do filme foi que a partir de certa altura começou a maçar, a prolongar-se nas mesmas coisas, a perder vigor. No início da sessão, o realizador disse-nos meio a brincar que se não gostássemos da obra que a culpa seria de D. Sebastião ou dos actores. E eu acho que ele terá em parte razão, D. Sebastião é o grande culpado - o actor, entenda-se (peço desculpa, mas não sei o seu nome), que apresenta muitas deficiências, bem notórias na segunda parte do filme, quando este vai adquirindo uma tensão crescente. O Desejado, que deveria ser uma figura enigmática, perturbada, hesitante, abalada por alterações de estados de alma constantes - e que por isso se exigia que fosse representado por alguém com maior destreza -, acaba por ficar muito mal caracterizado. Ao falhar na personagem principal, que está presente na tela de princípio ao fim, tornando-a monótona e em certos momentos ridícula – sobretudo quando o actor solta gritos e risos constrangedores -, o filme acaba por não conseguir alcançar intensidade e aborrecer.
É algo que tenho dificuldade em entender; que o realizador, apostando muito na capacidade de dramatização dos actores, e escolhendo notáveis como Luís Miguel Cintra, Ruy de Carvalho, Glória de Matos e muitos outros, para personagens secundárias, tenha optado por um actor limitado para fazer a personagem principal.
Seja como for, aconselho vivamente, porque tem coisas muito boas.


Comments:
eu tb não gosto dos filmes de Manoel de Oliveira... não têm dinâmica nem acção, e o realizador parece esquecer que o cinema é fundamentalmente entretenimento. Mas isso não e novidade por aqui: basta lembrar a 'Branca de Neve' de João César Monteiro e todo o mediatismo q o rodeou. De qq maneira, recordo os 'Canibais' como marco de diversão do realizador. Era chato... mas que tinha momentos hilariantes pelo inesperado, lá isso tinha...
 
Mário, uma crítica muito bem delineada.

Ao principio até pensei que o Oliveira tinha convidado o Sócrates ou o Santana para ser o D. Sebastião, mas depois fui consultar o site oficial do filme na MadragoaFilmes, e pude ver que o D. Sebastião afinal é o Ricardo Trêpa, o neto do cineasta (o ricardito parece ter desaprendido com a participação nas telenovelas,... nos anteriores filmes até recolhia boas críticas, embora com papéis de outra dimensão).
Oliveira continua recriando Régio na Tela, projectando-o além-fronteiras, além-do-que-Régio-alguma-vez-pensou-ir (e muitos de nós também!).
sebastião, um dos fortes candidatos a pior rei da nossa história, responsável pela cruel chacina de dezenas (quicá centenas?!) de milhares de portugueses, entre outras múltiplas desgraças que causou, continua a ser eternizado e evocado em tons deveras romãnticos, como geralmente o são todos os algozes mostrengos que têm vindo a infernizar este triste fado lusitano.
A estreia do filme é muito propícia pois anda demasiada gente aí, desesperamente à espera de uma outra expo ou Euro, desta vez bem de carne e osso.
...
Se aos 96 anos, eu estiver vivo, e ainda tiver vontade de visionar um filme, sentado ou deitado no sofá, será prodigioso. Agora, realizar um filme com essa idade, será tocar na face de Deus!
 
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