quarta-feira, julho 27, 2005
O que é que esta lusa tem?
Gostaria de começar por recordar um episódio passado comigo.
Em Junho de 2000, leccionando na Secundária de Baião, num fim-de-semana que restei no Marco de Canaveses, na casa do meu colega e amigo Altino Ribeiro, para me refastelar nas praias fluviais do Tâmega, apercebendo-me da proximidade da terra natal de Carmen Miranda, a freguesia de Várzea de Ovelha e Aliviada, no norte do concelho resolvi dar lá um pulo para ver se descobria a casa desse expoente e eterno símbolo da alegria e de toda a folia! Uns anos antes lera com maior atenção a intricada (e muitas vezes madrasta) história da sua vida e uma enorme empatia com a Bituca (nome de infância) despontou de presto. Lembro-me que logo após o almoço saí de carro seguindo orientações do meu colega e uma dezena de minutos depois já perguntava a uma senhora a localização exacta da casa. Curiosamente ela tomou-me como um dos organizadores do concurso musical Carmen Miranda (que afinal em 2000 já não se realizaria) e indicou-me o caminho e a chipala da dita casa. Foi fácil de dar pouco depois com a moradia que se notava ter sido recém-reconstruída. Eu suava por todos os poros, não da ansiedade, mas do tórrido calor que se fazia sentir. Afoito, toquei a campainha do portão. Uma senhora (que não recordo o nome), na casa dos setenta, bastante simpática atendeu-me. Perguntei-lhe, metido a ignorante, se era possível visitar a casa. Ela disse-me que poderia percorrer o exterior e inclusive ver o quarto onde a artista nascera em 1909. Fiquei a saber que a senhora era prima (em 2º grau) da artista e que efectivamente a casa tinha sido reconstruída recentemente e lhe fora adicionado o andar superior. Tirei diversas fotografias mas a senhora expressou-me que não poderia fotografar o interior do quarto. Este afigurava-se relativamente pequeno e singelo e ela afiançou-me que se conservava como no tempo em que Carmem Miranda lá dormira (com os pais obviamente). Esforcei-me por acreditar e assim o mostrar. Não lhe enderecei muitas questões pois denotei logo que ali não descortinaria nenhuma novidade saliente.
Agradeci à senhora e razoavelmente satisfeito fui ter com o meu colega à praia fluvial combinada. Num outro dia visitei o Museu Municipal Carmen Miranda, no Marco, que possui uma estátua da artista na frontaria oferecida por uma associação brasileira em honra da Carmen Miranda. No museu apenas existe uma vitrina com alguns elementos afins à artista (vestuário, postais, medalhas, livros e prospectos, etc.). A senhora do museu contou-me que os brasileiros, intensos admiradores da artista, que vêm de propósito ao Marco ver a sua casa-natal e o (escasso) acervo a ela respeitante que a Câmara conserva (e devia ampliar) que na generalidade sofrem uma imensa decepção. E mesmo este mui modesto museu encontra-se encerrado há vários meses, sem qualquer justificação apontada para tal.
Certamente não percebem porque é que a Carmen Miranda (saiu de Portugal com um ano de idade) que ao longo da sua vida foi reiteradamente compelida a anular a sua cidadania portuguesa e nunca o fez (o seu B.I indicou sempre cidadã portuguesa), pois nunca lhe foi retribuído por Portugal, nem mesmo pela sua terra Natal, o Marco de Canaveses, o devido respeito que ela demonstrou por eles (inclusive envidou múltiplos esforços por visitar Portugal e o Marco mas que devido a compromissos profissionais e à morte prematura nunca pode materializar esse seu sonho).
Ao contrário do que por vezes se afirma a vida de Carmen Miranda não teve nenhumas facilidades. Logo em bebé foi com os pais para o Rio de Janeiro. Os rendimentos modestos dos pais (com seis filhos) obrigaram-na a deixar aos 14 anos a escola e se tornasse balconista e depois costureira. Em 1928 Carmen conheceu o famigerado músico Josué de Barros, que a lançou definitivamente no meio artístico musical. Mais tarde Josué afirmaria que a sua biografia se resumia a três palavras “Eu descobri Carmen”. Dotada de uma bela voz, Carmen beneficiava ainda do seu subtil sotaque português que aprimorava as suas interpretações. Em pouco tempo Cármen tornou-se na cantora mais adorada do Brasil e em 1932 estreou-se no cinema vindo a participar em 19 filmes (sobretudo produções norte-americanas) e adoptou o seu inconfundível estilo : roupas de Baiana, turbantes com frutas e flores, tamancos plataforma, braceletes, os gestos característicos e o seu luminoso sorriso revirando os olhos a preceito. Em 1939 a “Brasilan Bombsheel” foi mesmo viver para Beverly Hills, onde se tornou a primeira sul-americana/portuguesa a ficar registada (mãos e pés) no passeio da fama (Walk of Fame).
Os graves problemas conjugais, o trabalho excessivo que realizava e nunca recusava, alguns insucessos na década de 50 aliados à sua profunda sensibilidade, foram factores que induziram a que em 5 de Agosto de 1955, apenas com 46 anos, sofresse um ataque cardíaco e falecesse. Foi sepultada no Rio de Janeiro, tendo assistido ao seu funeral mais de meio milhão de pessoas.
Mas a sua memória ficou bem viva através do seu perene legado artístico, do eterno ícone e símbolo da alegria, dança, tropicalismo que representa em todo o mundo, das dezenas de clubes de admiradores pelo mundo inteiro, de museus a ela dedicados (como o do Rio de Janeiro), de muitos livros, documentários, páginas web, ….
Apesar das diversas agruras de vida que sofreu e que lhe encurtaram a vida, Carmen Miranda sempre soube transmitir enquanto artista (actriz, cantora,…), mas sobretudo enquanto pessoa uma alegria e uma afeição imensuráveis.
Nos dias seguintes 6 e 9 de Agosto passarão 60 anos do holocausto de Hiroshima e Nagasaki (respectivamente). O meu respeito e consideração para com os que sofreram e os que continuam a sofrer.
Etiquetas: 50 anos, carmen miranda
Quando voltares, fui eu... Mas só te posso dizer que Baião é uma linda terra, em especial para trabalhar. ;)
Ainda não tinha tido a curiosidade sufuciente para visitar a casa, mas agora de certeza que o vou fazer. Parabéns!
Nunca encontrei uma resposta lógica, então acho que a "culpa" é só dela :), de sua energia, carisma, da sua arte.
E do que sei, ela também "sofreu" muitas críticas por ter feito sucesso nos EUA.
Tanto que há uma música com o trecho: "disseram que eu voltei americanizada..." que tem a ver com a "tristeza" dela por não ter sido "reconhecida" na época.
O escritor Ruy Castro, lança um livro agora sobre ela também, mas a prima deve estar muito conservada... - ouvi dizer que beira os 90, não os 70...;)
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