domingo, outubro 31, 2004
Gente difusa I
«O melhor é o senhor trazer-me a pilha velha, ou então a máquina», disse-me o comerciante de uma loja de fotografia em Gouveia, «não quero que leve uma por engano.» Desconfiei da simpatia, os comerciantes têm esse jeito excessivo de serem atenciosos, mas lá voltei ao carro onde tinha deixado a máquina. Mostrei-lhe a pilha, exactamente igual, marca e tudo, à que ele tinha numa prateleira sob o balcão. Custava quatro euros e meio. Quando me preparava para pagar, o fotógrafo começou a ruminar qualquer coisa e depois de hesitar um pouco disse-me: «ora deixe-me cá ver se a sua pilha velha está realmente gasta. Às vezes pode ser um mau contacto.» Entrou numa sala anexa, voltou com um amperímetro e mediu a intensidade da pilha. «Está a ver, tal como calculava, está cheia.» Pegou ma máquina fotográfica, abriu o compartimento da pilha, raspou não-sei-o-quê, colocou um líquido não-sei-quantos, reintroduziu a pilha e ligou a máquina. Cheia de energia. Olhou para mim, sorridente, de um modo que só as pessoas reservadas sabem fazer - ainda teve tempo para me avisar do bocado de cotão que tinha no queixo, que a ele gostava que lhe fizessem o mesmo -, e eu agradeci-lhe. Pelo cotão e pela pilha.
«Não tem de quê, fico todo contente por lhe ter feito poupar quatro euros e meio.»
«Não tem de quê, fico todo contente por lhe ter feito poupar quatro euros e meio.»