quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Million Dollar Baby

Há filmes que me deixam incomodado, que me perturbam profundamente, que conseguem verdadeiramente deixar-me deprimido. Chego ao fim com a ideia de que vi cinema a sério, mas de certa forma arrependido por não ter ficado em casa. É uma coisa que me pergunto, porque será que certos realizadores gostam de entristecer os espectadores? Um bom exemplo é Lars Von Trier, por quem tenho uma grande admiração, e julgo mesmo que será o melhor realizador da actualidade. Uma característica comum em muitos dos seus filmes é o espezinhamento das suas personagens. O realizador gosta de brincar com os nossos sentimentos. Faz-nos ficar apaixonados por personagens singulares, muito bondosas e ingénuas, apenas com a intenção de as fazer sofrer, de as humilhar, diante dos nossos olhos. Saímos dos seus filmes absolutamente angustiados. Por isso, gostei tanto de Dogville, que tem a vantagem de nos oferecer, depois de duas horas de sufoco, uma momento de regeneração, quando, evocando os nossos sentimentos primários, permite a vingança da maldade provocada pelos habitantes da aldeia. Conscientes de que fizemos justiça com as próprias mãos, chegamos ao fim satisfeitos.
Lembrei-me de tudo isto por causa do último filme de Clint Eastwood (que obviamente tem um registo muito diferente de Lars Von Trier). Já foi tempo em que gozava com o meu irmão quando ele me dizia que era o seu realizador favorito. Aquele cinema de cowboiada tardia, cheio de estilo e pose, parecia-me digno de riso. Entretanto, Eastwood evoluiu muito, e começou a fazer filmes cada vez melhores, até chegar a um patamar muito, mas mesmo muito bom. O problema dele é que anda interessado em temas pesados, como a pedofilia e a eutanásia, impossíveis de pegar sem ser para incomodar.
É o que acontece com “Million Dollar Baby” - um filme com uma temática tipicamente americana, a vontade de vencer, a luta pelo sucesso. Numa narrativa sóbria, sem moralismos nem reflexões explícitas, o filme prende-nos a uma história cruzada de pessoas com diferentes perspectivas de vida, umas desalentadas e hesitantes, outras cheias de vontade de vitória. Vemos a determinação de uma rapariga que quer ser campeã do mundo de boxe, a sua rápida ascensão, que a leva a derrotar todas as adversárias que enfrenta. E acompanhamos o drama da sua queda vertiginosa, o sofrimento insuportável. Saímos de lá abatidos.


Comments:
Ai que saudades de ir ao cinema!!!!Se dizes que é bom prometo que vou ver...sem preconceitos com o Clint..
 
O filme tem o seu quê de moralista, naquele balanço entre a história da self made womem e a da sua família, dependente da segurança social e desejosa de poder viver sem ter de trabalhar. Ou não fosse Eastwood um conservador de primeira nata. Mas não é nada que retire o brilho a esta obra de um dos melhores realizadores americanos no activo.
 
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